segunda-feira, novembro 19, 2012

A torre


            Por puro acaso, hoje revirei algumas gavetas, reli coisas antigas, senti o cheiro do passado que agora, somente me trás à memória o aroma de um passado antigo. Se pudesse resumir minha vida nos últimos anos, diria que mantive-me presa no alto da torre, agora não mais.
Percebo que não foi preciso que um príncipe viesse-me salvar, pelo contrario, foram vários príncipes que tentaram salvar-me agarrando as minhas tranças. Levou muito tempo, o tempo suficiente para perceber que trança nenhuma seria capaz de ser a chave para a minha liberdade. A verdade é que nunca fui livre, pois sempre me persegui.
Em minha cabeça relembro todos os contos infantis, nos quais o príncipe alto, loiro e corajoso sempre salvava a pobre donzela em perigo. Sim, quantas, muitas de nós ainda esperam não pelo príncipe, mas pelo fetiche que envolve os contos de fada? A teoria do“felizes para sempre” que nos cega os olhos.
Sempre pensei que o amor fosse como nessas historias, pensava que existisse um manual, um dicionário bíblico, quando na verdade, o amor é o sentimento mais livre que existe. Não se pega amor com redinhas.
Quando penso em tudo que vivi, tento recordar quantas maçãs envenenadas comi na esperança de ser salva, no desejo de ser eternamente feliz. Contudo, foram exatamente os momentos que vivi aos extremos que corajosamente pude ser capaz de cortar as rédeas e me jogar, como quem se joga no escuro sem temer o fundo do poço.
Não é fácil desgarrar de velhos hábitos, cortar as tranças e pular da torre requer coragem suficiente para não temer o arriscar. Como dizia Clarice Lispector “o que quero é bem mais que liberdade”, o que quero é viver, porque viver vai além dos contos clássicos, pois viver é amar e revirar algumas gavetas,  abrir novos espaços, sempre novos.

(L.K)

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